terça-feira, 9 de junho de 2009

Neoliberalismo e Consenso de Washington

A globalização comercial e tecnológica permitiu o salto dos Tigres Asiáticos e o alívio da pobreza na China. É reconhecida a proficiência brasileira em três coisas: futebol, Carnaval e busca de bodes expiatórios. Globalização e neoliberalismo foram os bodes na moda da década de 90. Um, era inocente. O outro, era inexistente. Roberto Campos





Nos dias de hoje, muitos ainda se apressam em "rotular" o chamado "Consenso de Washington" como um rol de medidas "neoliberais" criadas no "coração do capitalismo", sob a égide dos "rentistas". Discordo prontamente destes pré-conceitos, requentados pelo sectarismo do passado.


Tenho dúvidas, inclusive, à respeito da existência deste tal de neoliberalismo, conceito criado nos bancos da academia, mas, ao meu ver, recheado de um dogmatismo ideológico, ultrapassado, totalmente em desuso nos países mais desenvolvidos do mundo, mas ainda em voga entre os mais populistas de esquerda, seguidores de terapias heterodoxas (exemplo, Venezuela, Equador, Bolívia, Cuba, Argentina, etc).


Afinal, o que é realmente neoliberalismo ? Qual é o seu exemplo para o mundo ?


Difícil dizer. Num artigo antológico de Roberto Campos, "Em defesa dos bodes", alguns elefantes foram tirados da sala. Vários foram os mitos esclarecidos. É importante destacar, inclusive, o fato das considerações de Roberto Campos não serem perenes, nem oportunistas, ainda atuais bem depois da sua morte em 2001.


Para ele, "a atual globalização não foi uma conspiração americana para manter sua hegemonia. Os Estados Unidos eram hegemônicos até os anos 90, simplesmente porque ganharam a II Guerra Mundial, pelo colapso do socialismo soviético e por liderar a nova revolução tecnológica."


Agora, muitos consideram os EUA, em crise econômica, em decadência, em função de uma política monetária frouxa do Fed no início da década, com a taxa de juros a 1% anuais desde meados de 2001 até o início de 2007, além de uma política externa agressiva, com intervenções bélicas preventivas desastrosas. Ambos os fatores acabaram por causar um excesso de demanda agregada na economia norte-americana, tornando a poupança negativa, depreciando o dólar e pressionado a inflação, em paralelo à ascensão da China e de outros países dos chamados BRICs, como Rússia, Brasil, Índia.


Segundo Roberto Campos "a globalização não é responsável pelo desnível industrial, nem pela pobreza da periferia. Ao contrário, foi a globalização comercial e tecnológica que permitiu o salto tecnológico dos Tigres Asiáticos e o alívio da pobreza na China, que 25 anos atrás exportava menos que o Brasil e hoje exporta muitas vezes mais. Como o comércio internacional cresce quase o dobro do PIB mundial, os países abertos ao comércio e ao investimento vêm crescendo muito mais que os de economia fechada."


Sobre a situação atual do país, mais profecias realizáveis de Campos, "fala-se no Brasil sobre os perigos da "desindustrialização" e da "desnacionalização" em virtude da abertura comercial que fizemos desde 1990. Mas as reais dificuldades de nossa indústria advieram de políticas internas que nada têm a ver com liberalismo ou globalização. O real problema foi a sobrevalorização cambial (em vigor depois de 1994/95 e ainda em vigor no governo Lula), juros escandalosos (resultantes dos déficits fiscais) e tributação asfixiante." Sobre isto, desde 2001, nada mudou. A situação até piorou em alguns alicerces macroeconômicos.


Para ele, não havia alternativas à globalização. "Isolarmo-nos da revolução tecnológica para proteger empregos é suicídio, porque a perda de competitividade geraria estagnação e conseqüentemente mais desemprego. Na opinião do economista hindu J.K. Mehta, da Universidade de Allahabad, inclusive, "subdesenvolvimento é principalmente falta de caráter, e não escassez de recursos ou de capital." Nada mais acertado.


Sobre a polêmica em torno do Consenso de Washington, ideário considerado marco para muitos, por ter permitido avanços consideráveis nos países emergentes, muitos destes agentes anti-globalizações consideravam este como a "bíblia dos neoliberais". Nada mais equivocado, o que é que isto signifique.


O "consenso" nada mais foi do que o amadurecimento de um ideário de medidas econômicas, que vinham sendo estudadas e aplicadas com sucesso em vários países em desenvolvimento ao final da década de 80 e início dos 90.


Num livro recente, "Depois do Consenso de Washington: crescimento e reforma na América Latina", sob a coordenação de John Williamson e prefácio de Armínio Fraga, isto me pareceu bem claro. Este livro teve o mérito e a preocupação de "destrinchar" o "consenso" para acabar com esta celeuma, esta "poeira de maus entendidos".


Segundo o livro, "tudo foi pensado como um conjunto de regras muito simples - e não de prescrições salvadoras - que pudessem ajudar os economistas, decisores políticos e policy makers na América Latina a empreenderem um conjunto de reformas que são absolutamente necessárias para o bom desempenho das sociedades nacionais da região, não para satisfação dos especuladores de Nova York ou dos tecnocratas do FMI." Mais ainda, "os estudos aqui incluídos fazem o diagnóstico da primeira geração de reformas (liberalização e estabilização macroeconômica), apresentam a segunda geração (institucional) de reformas, que são indispensáveis para criar a infra-estrutura de uma economia de mercado com progresso social, assim como discutem as iniciativas necessárias para que as frágeis economias da região encerrem a série de crises registradas nas últimas décadas".


Este "consenso" foi criado a partir de uma reunião com vários próceres do FMI, Banco Mundial, universidades do mundo inteiro, sob a liderança de John Williamson, reunidos numa instituição da cidade de Washington - Institute for International Economics.


Depois de intensos debates, e baseado em pesquisas empíricas passadas, chegaram a conclusão de que as medidas eram as mais acertadas, de bom senso, necessárias a boa governança dos países em desenvolvimento. Ou seja, ao fim chegaram a conclusão sobre várias medidas (ou princípios), considerados essenciais para a boa governança dos países em desenvolvimento, possibilitando um bom crescimento, consistente e sustentável no longo prazo. Dentre as medidas, podemos destacar: abertura do mercado financeiro/conta de capital/comércio exterior, privatização de empresas públicas ineficientes, fim dos monopólios estatais, maior disciplina fiscal, banco central independente, regime de câmbio flutuante, etc. etc.


Não eram medidas pueris ou "neoliberais" como cismam em rotulá-las. Foram medidas urdidas do amadurecimento de anos de estudo e do acompanhamento de vários países que deram certo.


Alguém, com o mínimo de lucidez, pode ser contra estas medidas ? Alguém que acompanha a economia à fundo, com seriedade e pragmatismo, pode ser contra isto ?


Não acredito. Apenas os que possuem interesses outros, ou então se encontram impregnados pelo dogmatismo ou por ideologias estranhas do passado, podem ser contra o "Consenso de Washington". Para estes, felizmente, a história já passou.


Julio Hegedus Netto - Economista-chefe da Lopes Filho & Associados, Consultores de Investimentos julio@lopesfilho.com.br

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